quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

E se fosse uma de nós?

Ponderei muito antes de decidir manifestar a minha posição sobre este tema tão delicado que tem sido o centro dos últimos debates e manifestações. Contudo, depois de ler alguns dos posts e comentários publicados no nosso blogue, não podia deixar de o fazer. À semelhança do que tem acontecido nas discussões públicas, também aqui tenho verificado alguma tendência para descentrar o assunto e, no meio de tanta retaliação, já me sinto confusa com as razões de umas e outras.

Em primeiro lugar, ninguém está aqui a discutir se concorda ou não com o aborto. É óbvio que ninguém concorda e, pondo a mão no fogo por algumas de nós, estou certa de que ninguém o faria. Mas não é isso que está em questão mas sim se concordamos ou não que as mulheres que o praticam devem ser punidas pela lei.

A pergunta é muito simples: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”. E despenalização (aquilo que vamos referendar) não é o mesmo que liberalização.

"Despenalização significa "a eliminação ou perda do carácter de ilicitude, de ilegalidade, susceptível de ser punido ou penalizado pela lei". Ou seja, o acto em causa deixa não só de ser crime, como de estar sujeito a qualquer pena ou penalização.” "Liberalização […] significa, em linguagem jurídica, o reconhecimento ou aceitação legal daquilo que era proibido. É o mesmo que dizer que o Estado deixaria de regular o acesso ao aborto, em qualquer altura, deixando a decisão nas mãos de cada cidadão."

Quanto à afirmação de que votar sim é admitir que o aborto é uma questão moralmente e eticamente aceitável, nada me parece mais errado. Estamos fartas de saber que Ética e Direito são duas coisas distintas, como o comprova a existência de inúmeros códigos éticos dentro de algumas classes profissionais. Para mim a IVG nunca deixará de ser eticamente reprovável, mesmo que seja despenalizada.

O que mais me incomoda no meio disto tudo é a defesa utópica de que a lei deveria punir também os namorados e afins e os profissionais de saúde que colaboram nas práticas de abortos. Por favor, conhecem uma forma de isso se tornar possível? A mim parece-me que serão sempre as mulheres a serem punidas.

Aceito muitos dos argumentos de ambos os lados, incluindo do NÃO, mas custa-me ver o desprezo com que tratam a questão das mulheres que morrem num acto de desespero. Digam-me agora, se a vida é um valor de inquestionável importância, como é que não pode ser um acto de desespero uma mulher submeter-se a medidas extremas arriscando a própria vida? E desculpem, nisto são sempre as mesmas que sofrem, as que não tiveram a sorte de nascer em berço de ouro e não se podem dar ao luxo de realizar essa opção nas devidas condições.

Dizer Não é aceitar que as coisas estão bem como estão, e com isso dizer que é aceitável que se pratiquem IVG's na mesma (o aborto clandestino é uma realidade incontornável) mas em condições deploráveis, que milhares de mulheres morram num acto de desespero (sinceramente, acho ridículo afirmar que muita gente o faz por puro comodismo ou facilidade; tudo bem, acredito que existam casos desses, mas é a excepção que confirma a regra), que sejam sempre as pessoas com menos recursos as mais prejudicadas.

Não podemos ser sensíveis nem só a um lado, nem só ao outro. Temos que ser realistas e encarar aquilo que podemos, efectivamente, mudar. E esta é uma palavra possível apenas com a vitória do SIM. Por mais que a história das pessoas que nos são próximas pareça um lugar-comum, nos momentos de dúvida penso sempre: se uma de vocês tivesse que recorrer a esta medida e as coisas corressem mal, ia-me sentir revoltada e desolada por terem pago com a vossa vida um momento de desespero.

18 comentários:

EA disse...

Aproveito o titulo so...E se fosse uam de nós? mas ao contrário...e a tua mãe ate podia se arrepender, mas é irreversível...não iamos existir, por decisão de outrem..quem escolheria nao viver?

Diana Silva disse...

Mais uma vez relembro que não é isso que está em causa EA... Pelo menos isso esperava que neste ponto tivesse ficado claro. Não estamos a votar essa situação, senão diz-me: o Não vai acabar com as IVG's? Vais-me salvar a mim ou a qualquer uma de nós que poderia não estar aqui?...

Gostava de pensar que sim e, acredita, se a pergunta fosse "concorda com o aborto" respondia convictamente NÃO. Mas não é.

E realisticamente tenho que votar no que se pede e na única situação que pode trazer alguns resultados. Não podemos viver no mundo dos "se's", embora esse seja um argumento recorrente para o lado do Não.

Como eu disse, voto pela realidade. Quanto à utopia, essa, farei a minha parte para a mudar e resta-me pensar que a minha mãe, felizmente, se tivesse pensado nisso teria tido a sorte de ter amigas como as minhas que a ouviriam e lhe mostrariam todas as opções.

EA disse...

só mais uma coisa...e prometo não mais comentar...porque é que hei-de ter pena de uma mulher que faz um aborto e querer que o faça em condições?se o fizer está a matar alguém..voces defendem a vida da mãe, eu a da criança..só acho que é uma balança desiquilibrada. so uma tem a decisão e só a outra sofre as consequências..com a própria vida...

Mariana disse...

É verdade, a pergunta é "concorda com despenalização", mas de facto não é isso que lei vai fazer, a lei fala de "liberalização", sem qualquer estudo ou acompanhamento psico-sociológico da pessoa que pudesse efectivamente verificar as justificações para abortar. Com a liberalização, o aborto vai passar a ser um direito como qualquer outro. Portanto não se trata apenas de despenalização, como a pergunta quer parecer. Como diz o professor Marcelo: http://www.youtube.com/watch?v=AfrMHnT3jKE

EA disse...

mas essa questão faz-me voltar as comparações. a droga também é uma ilegalidade que dxiste.e qual é o arumeno para nao legalizar?que vai aumentar. ao menos, sendo ilegal a pessoa pensa duas vezes, tem que haver um esforço acrescido, que obriga a que a decisão seja por motivos muito fortes..superiores aos riscos inerentes (falo em questões legais)...despenalizar (e já agora aproveito para perguntar se ouviram o prof. Marcelo que defende que a lei que vai ser aprovada é para liberalizar, não depenalizar, apesar da pergunta ser nesse sentido)vai facilitar todo o processo..uma gravidez não planeada no inicio é muito dificil de gerir...qtssmpessoas nao vaoi optar pela solução mais facil?
ultimo post.

Diana Silva disse...

Não me parece que a opinião de uma pessoa, cujos discursos muitas vezes nem fazem sentido, seja mais válida do que as contrárias. Eu acredito que serão implementadas medidas, e não é por um homem defender o contrário que vou dizer "Amén"!

A pergunta é clara. As interpretações cada um faz como lhe der mais jeito.

Quanto "à pena", tens razão. Não tens que ter pena de ninguém. Eu sinto compreensão por quem o pratica porque acredito que seja uma decisão penosa e traumática e, por isso, não me sinto preparada para bater com os punhos na parede a reclamar a prisão de uma mulher que cometeu um acto de desespero.

Qualquer comparação que se faça me parece pouco lógica. Trata-se aqui de assumir a despenalização que hoje já é uma realidade. Não percebem isso?

Voto SIM em consciência, sabendo que com a resposta adversa não estaria a proteger o lado da criança. E, diga o Marcelo Rebelo de Sousa o que quiser, pelo menos com o SIM mantenho essa esperança.

EA disse...

eu sei que disse que nao comentava mais, mas ATENÇAO: não é uam apoinião do Marcelo é a realidade. Os aborots vão se rpermitidos e inclusivé comparticipados pelo Sistema Ncaional de Saúde!eu vou pagar para isso, com os meus impostos...eu nao estou contra voces, nem vos quero persuadir a mudar..a lei vai ser aprovada, mas não posso deixar de publicar as minhas preocupações, que pelos vistos partilham...já não vou a tempo de salvar vidas...tenho consciencia disso..desculpem la, mas os media tb tiveram muita participação na superficialização do problema e na vitimização das mulheres que haviam praticado...não há volta a dar agora...afinal a mim pouco incomida..nenhum de nós estará no lugar do feto e muitas poderão estar no luigar das mulheres..se calhar é esse o problema..

Cris disse...

Em relação ao que o Prof. Marcelo diz e a MM e EA defendem sobre a questão referendada, dizem ser realmente sobre a liberalização e não sobre a despenalização. Passo a perguntar: então como se diria que o aborto acontece hoje em dia? Vamos ser frontais: não é liberalizado? Podem escolher uma palavra melhor, mais adequada, mas senão vejamos a realidade que é isso que realmente importa. Não podes fazer um aborto sem ser penalizada por isso? Não podes ir a Espanha ou a uma clínica e fazer um? Seja às 10, às 20 ou às 30 semanas? A única diferença é que pagas balúrdios, não tens qualquer tipo de apoio financeiro, nem psicológico e ainda tens que esconder a cara, para depois a sociedade não te condenar. Sim, porque a sociedade condena, acha mal. Mas a lei, essa não tem efeito e, em última instância, prejudica os mais frágeis e os mais necessitados. É isto que o SIM pretende mudar.Pretende regularizar uma situação que está claramente sem controlo.

(EA podes manifestar-te as vezes que quiseres, não precisas de prometer que não vais postar mais. :) A discussão é saudável e ninguém aqui está a falar a nível pessoal)

EA disse...

não é isso..é que eu tenho que trabalhar e estou sempre a postar..voces já perceberam a minha posição. Acho que à lei compete delinear a fronteira entre o bem e o mal e então deveria condenar o aborto..mesmo que isso não tenha repercussões é tido como errado. Toda a gente que aborta actualmente sabe que está a cometer um erro, mas continua. com o tempo e a liberalização tenho receio que o que todas partilhámos - que o aborto é errado - se perca no egoísmo e irresponsabilidade...é inevitável.como é inevitável que esta lei vá pa frente...resta-me o reconforto dos vossos argumentos...a mim já não faz diferença...estou viva!tive esse direito...

Mariana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mariana disse...

Há bocado estava a passar por uma farmácia que tinha afixado as fases da gravidez, e dizia que às 10 semanas o bebé já tem as suas impressões digitais de toda a vida...ou seja, uma boa parte da sua identidade. Faz pensar...De qualquer forma, eu sei que o sim vai ganhar, mas tal como a EA não quero deixar de exprimir a minha opinião, neste momento, já que depois da lei ser aprovada o aborto vai passar a ser tido como normal e já não se vão discutir estas coisas.

Daniela Rodrigues disse...

Desculpem mas vocês estão a ser demasiado radicais. Estão presas a esse argumento da Vida, das impressões digitais, dos corações a bater, dos sentimentos de um feijão de 6 ou 10 semanas.

Tudo bem, ninguém diz que o aborto está certo, ninguém aqui defende a prática do aborto, eu NUNCA o faria!!!

A diferença é que eu atribuo 50% de importância à mulher e 50% ao feto...e vocês esquecem a mulher, os seus problemas, sentimentos...tudo! é so mais uma barriga!!!

OS ABORTOS VÃO CONTINUAR A EXISTIR, o direito à vida vai continuar a ser restringido. Vão continuar a morrer mulheres, vão continuar a morrer fetos!!!! Muita gente vai continuar a enriquecer à custa disso...é só isso que está em causa aqui.

Estamos a falar em minimização de riscos e de danos...prática comum na maioria dos países desenvolvidos.

Mariana disse...

A diferença é que para a mulher, trata-se de um problema, para o feto trata-se de uma vida. É só por isso que dou mais importância ao feto. Não acho que seja assim tão radical. Mas também compreendo as razões do sim, até porque já estive desse lado. Simplesmente acho que as do não se sobrepõem.

Diana Silva disse...

Aceito todos os argumentos, mas quanto ao rigor das palavras, minhas amigas, não vamos contribuir para a confusão nem neste nem em tema algum, porque as palavras têm o significado que têm.

O termo "liberalização" é habilmente usado pelos defensores do NÃO porque, como eu disse, cada um faz as interpretações que lhe dá mais jeito. Neste argumento nunca vou ceder, porque me dei ao trabalho de investigar e procurar em mais do que uma fonte.

Quanto ao resto, cm disse a CF muito bem, a situação cm está não serve parte nenhuma. EA, tens toda a razão, vais contribuir com o teu dinheiro (quer dizer, quando arranjarmos emprego, lol) para as IVG's realizadas no SNS, mas vais tb contribuir para que algumas delas não o sejam.

Idealmente não existiam abortos. E ponto final. Mas como não podemos mudar este facto, porque não tentamos mudar o que podemos?

Eu fiz o caminho inverso, já estive do lado do NÃO, e de forma bem convicta. Emocionalmente, continuaria. Mas a razão e o facto assente de que seria inútil o meu voto nesse sentido, fizeram-me mudar de opinião.

Ms cm diz a EA, não estou aqui para convencer, apenas para transmitir a minha opinião! :) E tu vê lá, acaba o trabalho que nós ainda estamos aqui no fim.

EA disse...

lindas, ok, existem e vão continuar a existir..a gente sabe disso!muitos fetos vão morrer pela inconsciência de muita gente, porque o aborot actualmente já não é muito tido como assassinato e as pessoas consideram(porque o feto não fala, não se defende, ninguém tem pena)que se trata de uma decisão da mulher..mas tb há muita gente que mata, muita gente que até tem prazer a matar(serial killers) e não é por se fazer que vou permitir que esteja na lei (aqui não há comparação directa, só que por que ja se fazem não é argumento)...
para mim matar às 109 semanas, 3 meses, 4 anos, 20 anos é igual..quem aqui perdoava uma mãe que matava um bébé fofinho de três meses, com uma facada que o despedaçava em pedacinhos(que é o que o aborot faz)NINGUÉM!era possivelmente eleita pa tal lista dos piores portugueses..tenho pena que o aborto seja levado com tanta ligeireza...a mary ontem disse-me"é porque o feto não fala"...não vejo razão mais óbvia!se o feto estivesse ao lado das mulheres condenadas por fazer aborto a defender as razões porque quereria viver era tudo diferente...e é por argumentos como o do "feijão" que a gente defende o argumentop da vida...acho que não se pensa muito que é uma vida que eá em jogo, mas sim no bem-estar..que já se fazem não me importa...não aceito!e acredita...uma coisa é ter que ir a espanha, ou fazer num vão de escadas(a pessoa sabe que está a cometer um erro, é uma decisão muito ponderada, corre riscos) outra coisa é poder tratar aqui no são joao em dois minutos..não confio na consciência de cada um, confio na justiça!e podem-me vir com o argumento do não ser aplicada, paciencia...ao menos vivo numa sociedade que o condena...daqui a uns anos essa consciência que partilhamos agora , vai acabar..e muitas vidas vão ser perdidas, mas como já disse, já não vai ser a minha...

Diana Silva disse...

Bem, estou absolutamente cansada deste debate, e por isso deve ser a última vez que intervenho. O argumento do "já se fazem" não é de facto válido para quem, como eu, não concorda com a prática do aborto.

Se és assim tão defensora da vida e já que esse parece ser o argumento a que recorres constantemente, só te pergunto: exactamente o que é que o "NÃO" vai fazer por essas crianças que não chegam a nascer?

Pelo contrário, e diga o Marcelo Rebelo de Sousa o que quiser (nunca tive o sr. em conta, não é neste tópico que vou ter), o "SIM" pelo menos abre essa possibilidade.

Não referendamos isso porque, como todas sabem, não é da competência do povo decidir como a lei será aplicada. Mas não acredito que a classe médica, mesmo o que são pelo sim, se predisponha a realizar abortos como quem receita aspirinas.

A escolha aqui é entre uma lei actual que não protege ninguém e a criação de infraestruturas que apoiem a mãe e muitas vezes salvem vidas que iam ser perdidas.

Só para terminar, o argumento do feijão é tão mau como o de afirmar que a maioria das mulheres pratica um aborto no intervalo de um café e de ânimo leve. Os próprios defensores sérios do não, nunca pegaram nesse argumento.

Daniela Rodrigues disse...

Calmex que o feijão é para mim...uma vez que fui que k usei o termo.

Para que não restem confusões, só o usei para contrabalançar as "assassinas".

Porque eu...sou contra o aborto mas não sou suficientemente egoísta para achar há 5 milhões à minha imagem.

Diana Silva disse...

Não quero reacender a discussão, mas apenas chamar a atenção para o artigo da revista "Sábado" acerca deste tema.

Está muito bom e responde, de forma imparcial e com dados objectivos, a várias das questões que têm sido levantadas com este referendo, assim como a muitos dos argumentos que têm sido desvirtuados por ambos as partes.

Em nome do voto responsável (não vai mudar posições, claro, mas permite votar com conhecimento de causa), leiam!