segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Mulheres casadas, toca a contrariar o estereótipo...

Publicado no "i" dia 09 de Janeiro de 2010

Casadas engordam mais do que solteiras e divorciadas

Estudo diz que casadas engordam mais do que solteiras. Já depressão e paixão explicam por que o ponteiro da balança desce após a separação

No dia em que ganhou coragem para terminar uma relação de quatro anos por se ter apaixonado por outra pessoa, A. olhou-se ao espelho e não se reconheceu: as bochechas tinham dado lugar a covas, os ossos da linha dos ombros estavam mais salientes, as pernas e o rabo já não enchiam as calças número 38. Ao confrontar a balança, A. descobriu que, em três meses, perdera oito quilos - cinco deles ganhos quando a relação estava no ponto mais estável quando partilhavam casa.

A. procurou explicações e só encontrou duas: o desgaste emocional de uma relação que se arrastava sem amor e a paixão "esmagadora" que sentia por outro homem. "Perdi o apetite, deixei de dormir, dupliquei os cigarros, estava sempre a tremer", conta. A angústia fazia frente à excitação. "Sentia-me uma adolescente cheia de desejos e nervos miudinhos. Mas as dúvidas e a culpa roíam-me por dentro. Era uma tortura: questionava-me se era justo terminar com o meu namorado, se me iria arrepender e não sabia como fazê-lo sem magoar."

O caso de A. serve de exemplo à conclusão de um estudo publicado este mês no "The American Journal of Preventive Medicine": mulheres comprometidas engordam mais do que as solteiras. Já se sabia que as mulheres tendem a ganhar peso depois de ter filhos. A teoria é velha e corriqueira. Contudo, o novo estudo demonstra que mesmo entre as mulheres que não têm filhos, as que vivem com um parceiro ganham mais quilos do que as que vivem sozinhas. O estudo, liderado por Annete J.Dobson, professora de Bioestatística na Universidade de Queensland, Austrália, abrangeu mais de seis mil mulheres australianas durante um período de dez anos.

Depois de os resultados serem ajustados a outras variáveis, verificou-se qual o aumento de peso nesse espaço de tempo entre mulheres com um peso médio de 63,5 quilos: as que tinham um filho e um marido engordaram nove quilos, as que tinham um parceiro mas não eram mães engordaram sete quilos, e quem não tinha filhos, nem companheiro engordou apenas cinco quilos.

Essas mulheres - que iniciaram o estudo com idades compreendidas entre os 18 e os 23 anos - tinham como missão responder periodicamente a um inquérito com mais de 300 questões sobre o seu peso e altura, idade, escolaridade, actividades físicas, consumo de álcool e tabaco, medicamentos tomados e outros cuidados de saúde. No final do estudo, mesmo depois de ajustada a relação aos hábitos de vida, as diferenças no aumento de peso entre casadas e solteiras eram evidentes.

Apesar das limitações da investigação - eram as próprias mulheres que controlavam o peso, por exemplo - especialistas consideram os resultados válidos. Alexandra Bento, da Associação Portuguesa de Nutricionistas, admite que "seis mil mulheres compõem uma amostra significativa, que já dá que pensar" e elege o estilo de vida como a principal razão que determina as diferenças na balança de solteiras e casadas. "Mulheres casadas entram noutra dimensão de organização familiar. Têm de aprender a gerir a vida familiar e profissional, e o tempo que antes investiam na imagem corporal passam a investir na família." Além da falta de tempo e de um certo descuido na imagem por sentir que "já não tem de seduzir", "uma vida mais sedentária e o controlo dos horários das refeições", podem ajudar a explicar o aumento de peso nas mulheres casadas ou em união de facto, de acordo com o sexólogo Bruno Inglês. E até a "própria estabilidade e conforto emocional", reforça o sexólogo, lembrando um estudo sobre saúde cardiovascular que concluiu que um casamento feliz melhora a tensão arterial.

Por outro lado, mulheres que saltam novamente para o estado civil "solteira" tendem a vivenciar o fenómeno contrário: perda de peso. "Sem dados científicos, a verdade é que todos conhecemos alguns casos", lembra Alexandra Bento. Uma separação é, por norma, um despertar. Nos momentos de ruptura, dá-se o clique: as pessoas descobrem o que há de errado ou negativo e o que devem melhorar e tendem a assumir compromissos de mudança. "Muitas mulheres assumem nessa altura uma missão em relação ao peso, com a determinação do 'eu vou mudar a minha vida'." Uma vida a sós traz ainda de volta o tempo para a actividade física e para "uma maior preocupação com a ingestão alimentar", reforça a nutricionista.

Cada caso será sempre um caso. E a conjuntura do fim da relação terá sempre o papel principal na explicação das alterações da imagem corporal da mulher. Um fim de relação conturbado traduz-se, por norma, num desgaste emocional que pode conduzir a um estado de depressão e, por sua vez, à perda de apetite e de peso. Em casos mais excepcionais, quilos a menos podem até "estar ligados a preocupações económicas, quando as mulheres têm de cuidar dos filhos sozinhas, por exemplo", frisa o sexólogo Bruno Inglês.

Se o final da relação até foi pacífico e a mulher não se sente deprimida, é provável que até se sinta a "renascer" e aja como quem se sente de volta ao "mercado dos solteiros". "Hoje em dia, para manter um padrão estético é preciso uma grande motivação e restrição. É razoável admitir que, fora de uma relação, a mulher se sente mais competitiva", justifica Francisco Allen Gomes, especialista em sexologia.

A procura da auto-estima e de um novo parceiro explicam que a mulher volte a olhar-se mais ao espelho, se preocupe mais com a imagem e programe dietas e rotinas de ginásio.

E se à separação associarmos uma nova paixão, mais facilmente o ponteiro da balança desce. Está comprovado que a paixão tem uma relação directa com a perda de apetite e sono. "A excitação e a adrenalina disparam. E se a paixão for correspondida, é normal que se faça mais sexo e mais sexo é igual a perda de calorias", explica Allen Gomes, citando o livro da antropóloga Helen Fisher: "Porque amamos". A autora trabalhou com uma equipa de cientistas que examinou os cérebros de pessoas que tinham acabado de se apaixonar e concluiu que a paixão aumenta o fluxo sanguíneo e acende áreas específicas do cérebro. "Por isso Fisher diz que um estado de paixão nunca dura mais de dois anos. Nem aguentaríamos! Há estados de magreza que não enganam", brinca Allen Gomes.

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