
É verdade. A imprensa tem tendência para investir no carácter espectacular dos acontecimentos, não fosse esse, aliás, um dos principais factores-notícia. Aposta no "puxa-a-lágrima" de um desastre familiar, nas imagens impressionantes de carros completamente esmagados após um acidente automóvel, nas afirmações provocadoras da personalidade x ou y. E o público vai alimentando essa teia noticiosa, porque no fundo é o que queremos ver. Se mudassemos de canal quando passa uma notícia sem sentido ou não comprassemos o jornal xpto por se esquecer da integridade, as empresas jornalísticas seriam obrigadas a mexer. Mas tal não acontece e como tal os jornais, rádios e televisões limitam-se a acompanhar o mercado. É legítimo e perfeitamente natural. Até aí tudo bem.
O problema é quando a integridade se perde perante tentativas desesperadas de vender mais umas edições ou conquistar mais 10% de audiência. A divulgação de uma imagem da tragédia na Madeira fez-me repensar essa minha posição de defender os órgãos de comunicação como meras empresas que se limitam a procurar vender o produto.
Sempre me ensinaram que o público também se educa, e quando se difunde uma fotografia de um cadáver coberto de lama na primeira página de um jornal (o qual, aliás, já me tinha revoltado com a insensibilidade de uma fotografia que exibia as pernas de miúdas de 16 anos como se se tratassem de escombros), acho que está na altura de meditar um pouco nisso. É preciso vender, mas é preciso saber vender também. Acredito que saiba bem o dinheiro em cima da mesa de cabeceira, mas nem tudo é permitido para o conseguir. E esquecer que naquela imagem está o pai de alguém ou o filho perdido é perder, realmente, a noção do aceitável. Pior ainda, é perder a humanidade. E a partir daí, não me parece que haja retorno possível.